domingo, 22 de agosto de 2010

'Nota mais alta não é educação melhor'

Diane Ravitch, ex-secretária-adjunta de Educação dos EUA 02 de agosto de 2010
Simone Iwasso - O Estado de S.Paulo
Erro. Ênfase em responsabilização de professor é danosa para a educação, afirma Diane

Uma das principais defensoras da reforma educacional americana - baseada em metas, testes padronizados, responsabilização do professor pelo desempenho do aluno e fechamento de escolas mal avaliadas - mudou de ideia. Após 20 anos defendendo um modelo que serviu de inspiração para outros países, entre eles o Brasil, Diane Ravitch diz que, em vez de melhorar a educação, o sistema em vigor nos Estados Unidos está formando apenas alunos treinados para fazer uma avaliação.

Secretária-adjunta de Educação e conselheira do secretário de Educação na administração de George Bush, Diane foi indicada pelo ex-presidente Bill Clinton para assumir o National Assessment Governing Board, instituto responsável pelos testes federais. Ajudou a implementar os programas No Child Left Behind e Accountability, que tinham como proposta usar práticas corporativas, baseadas em medição e mérito, para melhorar a educação.

Suas revisão de conceitos foi apresentada no livro The Death and Life of the Great American School System (a morte e a vida do grande sistema escolar americano), lançado no mês passado nos EUA. O livro, sem previsão de edição no Brasil, tem provocado intensos debates entre especialistas e gestores americanos. Leia entrevista concedida por Diane ao Estado.

Por que a senhora mudou de ideia sobre a reforma educacional americana?

Eu apoiei as avaliações, o sistema de accountability (responsabilização de professores e gestores pelo desempenho dos estudantes) e o programa de escolha por muitos anos, mas as evidências acumuladas nesse período sobre os efeitos de todas essas políticas me fizeram repensar. Não podia mais continuar apoiando essas abordagens. O ensino não melhorou e identificamos apenas muitas fraudes no processo.

Em sua opinião, o que deu errado com os programas No Child Left Behind e Accountability?

O No Child Left Behind não funcionou por muitos motivos. Primeiro, porque ele estabeleceu um objetivo utópico de ter 100% dos estudantes com proficiência até 2014. Qualquer professor poderia dizer que isso não aconteceria - e não aconteceu. Segundo, os Estados acabaram diminuindo suas exigências e rebaixando seus padrões para tentar atingir esse objetivo utópico. O terceiro ponto é que escolas estão sendo fechadas porque não atingiram a meta. Então, a legislação estava errada, porque apostou numa estratégia de avaliações e responsabilização, que levou a alguns tipos de trapaças, manobras para driblar o sistema e outros tipos de esforços duvidosos para alcançar um objetivo que jamais seria atingido. Isso também levou a uma redução do currículo, associado a recompensas e punições em avaliações de habilidades básicas em leitura e matemática. No fim, essa mistura resultou numa lei ruim, porque pune escolas, diretores e professores que não atingem as pontuações mínimas.

Qual é o papel das avaliações na educação? Em que elas contribuem? Quais são as limitações?

Avaliações padronizadas dão uma fotografia instantânea do desempenho. Elas são úteis como informação, mas não devem ser usadas para recompensas e punições, porque, quando as metas são altas, educadores vão encontrar um jeito de aumentar artificialmente as pontuações. Muitos vão passar horas preparando seus alunos para responderem a esses testes, e os alunos não vão aprender os conteúdos exigidos nas disciplinas, eles vão apenas aprender a fazer essas avaliações. Testes devem ser usados com sabedoria, apenas para dar um retrato da educação, para dar uma informação. Qualquer medição fica corrompida quando se envolve outras coisas num teste.
Na sua avaliação, professores também devem ser avaliados?

Professores devem ser testados quando ingressam na carreira, para o gestor saber se ele tem as habilidades e os conhecimentos necessários para ensinar o que deverá ensinar. Eles também devem ser periodicamente avaliados por seus supervisores para garantir que estão fazendo seu trabalho.

E o que ajudaria a melhorar a qualidade dos professores?
Isso depende do tipo de professor. Escolas precisam de administradores experientes, que sejam professores também, mais qualificados. Esses profissionais devem ajudar professores com mais dificuldades.
Com base nos resultados da política educacional americana, o que realmente ajuda a melhorar a educação?

As melhores escolas têm alunos que nasceram em famílias que apoiam e estimulam a educação. Isso já ajuda muito a escola e o estudante. Toda escola precisa de um currículo muito sólido, bastante definido, em todas as disciplinas ensinadas, leitura, matemática, ciências, história, artes. Sem essa ênfase em um currículo básico e bem estruturado, todo o resto vai se resumir a desenvolver habilidades para realizar testes. Qualquer ênfase exagerada em processos de responsabilização é danosa para a educação. Isso leva apenas a um esforço grande em ensinar a responder testes, a diminuir as exigências e outras maneiras de melhorar a nota dos estudantes sem, necessariamente, melhorar a educação.

O que se pode aprender da reforma educacional americana?

A reforma americana continua na direção errada. A administração do presidente Obama continua aceitando a abordagem punitiva que começamos no governo Bush. Privatizações de escolas afetam negativamente o sistema público de ensino, com poucos avanços de maneira geral. E a responsabilização dos professores está sendo usada de maneira a destruí-los.
Quais são os conceitos que devem ser mantidos e quais devem ser revistos?

A lição mais importante que podemos tirar do que foi feito nos Estados Unidos é que o foco deve ser sempre em melhorar a educação e não simplesmente aumentar as pontuações nas provas de avaliação. Ficou claro para nós que elas não são necessariamente a mesma coisa. Precisamos de jovens que estudaram história, ciência, geografia, matemática, leitura, mas o que estamos formando é uma geração que aprendeu a responder testes de múltipla escolha. Para ter uma boa educação, precisamos saber o que é uma boa educação. E é muito mais que saber fazer uma prova. Precisamos nos preocupar com as necessidades dos estudantes, para que eles aproveitem a educação.

QUEM É

É pesquisadora de educação da Universidade de Nova York. Autora de vários livros sobre sistemas educacionais, foi secretária-adjunta de Educação e conselheira do secretário de Educação entre 1991 e 1993, durante o governo de George Bush. Foi indicada pelo ex-presidente Bill Clinton para o National Assessment Governing Board, órgão responsável pela aplicação dos testes educacionais americanos.

sábado, 14 de agosto de 2010

Chomsky e as 10 estratégias de manipulação midiática

O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:

1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossíveis para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Quem é índio e quantos são no Brasil?

Estas são as perguntas fundamentais que o novo Censo 2010 vai procurar esclarecer.
Há um debate aberto sobre o que significa ser indígena no Brasil. Alguns antropólogos acham que basta se declarar indígena para ser indígena. Daí que, um deles, parodiando o filósofo francês Gilles Deuleuze, que pronunciou a boutade, em defesa dos gays, "Todo mundo é gay, exceto quem não é", fez a sua boutadezinha: "Todo mundo no Brasil é índio, exceto quem não é". Já outros antropólogos, creio que a maioria, afirmam que ser indígena é uma condição sociocultural específica no panorama brasileiro e que tem substancialidade, tradição, ascendência e sociabilidade diferenciadas. Não basta se afirmar num arroubo narcísico que se é ou não se é alguma coisa, tem que ser reconhecido pelos demais, como em todo processo de afirmação de identidade onde se requer o diálogo com o outro.

Por conta desse debate -- e tomando o partido dos que acreditam na substancialidade do ser, no caso do ser indígena -- é que o grupo de antropólogos e demógrafos do Censo 2010 que trata da questão indígena resolveu adicionar ao questionário básico, além da pergunta que dá abertura para auto-declaração (escolhendo em cinco possibilidades: branco, preto, pardo, oriental e indígena), questões sobre a que povo pertenceria ou teria ligação e se fala alguma língua indígena. É claro que nem todos os indígenas falam uma língua indígena. Muitos povos indígenas no Nordeste e até na Amazônia falam só português, tendo relegado suas línguas maternas ao esquecimento, seja por qual processo social que lhes foi imposto. Entretanto, de algum modo, ser indígena significaria, neste novo Censo 2010, ter uma vivência que seja reconhecida de algum modo como indígena. Isto, na minha visão, constitui um avanço considerável sobre o Censo 2000 e sobre a teimosia do IBGE em se fixar na metodologia de auto-declaração.
Essa nova metodologia servirá para corrigir o grave erro do Censo 2000. É que nos últimos 20 anos, abriu-se a possibilidade de muita gente se declarar indígena, por motivos os mais variados. Por causa disso, o Censo de 2000 registrou uma população de cerca de 750.000 indígenas. Naquele ano, a Funai e a Funasa tinham números menores que 400.000. Como podia-se perceber, o número do IBGE se referia a pessoas que se auto-declaravam indígenas, sem precisar demonstrar qualquer evidência específica de ser indígena. No Rio de Janeiro, por exemplo, consta existir 30.000 e tantos indígenas; em São Paulo, cerca de 60.000, números não reconhecidos nem pela Funai nem pela Funasa ou por qualquer outra instituição pública. Ou mesmo pelos antropólogos que acham que é válida a auto-declaração exclusiva.
Por que as pessoas decidem se declarar indígenas? Uma primeira hipótese é de que, sendo-lhe dado escolher entre as opções apresentadas no questionário, e não se considerando verdadeiramente nenhuma das opções, a pessoa prefere se declarar indígena. Daí esse número inesperado em tantas cidades brasileiras. Declarar-se indígena seria uma espécie de homenagem ao passado brasileiro. Ou uma contrariedade com as poucas opções apresentadas. Com efeito, as opções de escolha de auto-declaração não satisfazem a maioria dos brasileiros. Veja o seguinte fato: em simulações já feitas pelo IBGE, se a opção "moreno" fosse apresentada, mais de 60% dos entrevistados se identificariam com ela. Moreno é uma categoria de cor/raça mais desejada do que "pardo". Sem dúvida.
Como é de conhecimento generalizado, a auto-identificação brasileira pelo conceito de raça, etnia e cor é extremamente variada, ao contrário de outros países. Estudos feitos em várias partes do Brasil mostram que há mais de uma centena de termos raciais usados pelo povo brasileiro, termos estes que conotam diferenças sutis que têm a ver não só com percepção de aparência física, mas também com percepção de pertencimento de classe ou condição de vida. Quem é sarará e quem é galego, no Nordeste, depende da roupa que estiver usando.
Por sua vez, a questão da identificação indígena no Brasil é especial e própria de nossa cultura. Se formos nos medir pelo critério biológico, como fazem os norte-americanos, pelo menos um terço de nossa população seria considerada indígena por ter sangue indígena, como descendentes dos primeiros filhos de casamentos mistos, ocorridos especialmente nos séculos XVI e XVII, no litoral brasileiro, e nos séculos seguintes na Amazônia.
Entretanto, índio no Brasil é ser social e cultural. Daí a nova metodologia do IBGE, cujos resultados aguardamos com muita atenção pois provavelmente dirimirão as pendengas que existem atualmente na atualização de políticas públicas para os povos indígenas.