segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"De longe toda serra é azul: histórias de um indigenista"

A obra do indigenista Fernando Schiavini mostra, em narrativa fácil e objetiva, o complexo cotidiano do indigenista e propõe um novo perfil para este profissional, com atuação mais condizente com a verdadeira luta por benefício aos povos indígenas .

Sandoval dos Santos Amparo*
De longe toda serra é azul, poético título furtado de um sertanejo amazônida, trata da questão indígena no Brasil e é um livro cuja linguagem destina-se aos atores de seu enredo: populares, políticos e pesquisadores em geral. Alcança o âmago da questão, pois, como sugere o próprio título, as verdadeiras cores de uma paisagem somente são conhecidas quando se ajuda a pintá-las; quando se participa, por assim dizer, do interior de seu movimento. Este é o primeiro mérito do autor, Fernando Schiavini, neste relato que, nem acadêmico nem ficcional – narrativa fácil e objetiva apenas – choca o leitor com as histórias vividas ao longo de duas das três décadas em que atua como indigenista na Funai e fora dela.
Longe de ser um despretensioso livro de aventuras, De longe toda serra é azul: histórias de um indigenista é, antes, político, como o autor antecipa logo no prefácio. As histórias que narra – algumas de repercussão nacional e/ou internacional – tratam de um passado recente e (des)conhecido, muitas vezes presente, e tem por objetivo não apenas o prazer da fruição literária, mas, principalmente, o prazer militante, pois servem de pano de fundo para (re)acender o debate sobre as questões indígenas no Brasil, interdisciplinares por natureza e envolvendo múltiplas questões referentes ao patrimônio cultural, ambiental e genético destes povos diante dos ideais desenvolvimentistas da economia brasileira. A preocupação de Schiavini, neste ponto, é tão evidente que, além do texto impresso, sua publicação traz um CD-mp3 com a leitura ambientada do livro, feita pelo próprio autor, visando assim alcançar a atenção de indígenas e sertanejos de tradição oral, ampliando o debate.
Deflagrando as difíceis condições de trabalho em campo, às quais se submetem os técnicos do Estado nos momentos de atuação arbitrária e burocrática do órgão indigenista (Funai), o autor utiliza-se de sua vivência para propor um novo indigenismo, menos romântico e mais audacioso, com um novo perfil deste profissional. No entanto, resta o alerta: teoria e engajamento apenas não bastam. Tanto quanto, é necessária grande gama de conhecimentos práticos e/ou multidisciplinares que a atuação em campo pode exigir a qualquer momento. Em seu cotidiano, um indigenista torna-se mediador intercultural, lavrador, enfermeiro, assistente social, piloto, servente de obras.
Malária, toda sorte de “carapanãs” (mosquitos), atendimento médico distante, solidão, distanciamento da família e da vida social, ameaças de morte e conflitos armados – o encontro com a miséria humana-; todos estes elementos estão fartamente presentes na atuação destes profissionais. Não bastasse, o desejo de transformar realidades grafadas com ganância e tiros transforma-os ainda em articuladores sociais, muitas vezes, contra o interesse de poderosos atores locais, como fazendeiros, grileiros, comerciantes; “entidades de apoio” - como a igreja e ONGs - e, às vezes, até a própria Funai e o Estado.
Redigido por um técnico do órgão indigenista, o texto é totalmente independente: não há meias palavras e são realizadas as críticas necessárias à atuação deste órgão, ainda que preservando a imagem de indigenistas clásssicos, como Rondon, os irmãos Villas Bôas e outros. Não sejamos ingênuos, porém. Desde Marx & Engels sabemos que “o Estado é o comitê da burguesia”, logo – por esta lógica – o órgão indigenista, no seio do Estado burguês pode (e deve) ser entendido como um órgão do Estado para os indígenas, e não pelos indígenas, o que pode ser verificado desde o antigo SPI, da qual a Funai é herdeira.
A criação do SPI – Serviço de Proteção aos Índios e Localização da Mão-de-Obra Nacional (1910-1967) pelo Mal. Rondon constitui um momento histórico, pois é a primeira vez que o Estado reconhece e legisla sobre o direito à terra indígena, um avanço com relação ao período anterior. Foi importante, ainda, ao proteger diversos grupos indígenas de massacres diversos (quando conseguiu contê-los), ainda que para isso fossem adotadas medidas drásticas, como o deslocamento de muitos grupos de seus locais de origem ou a criação dos parques indígenas, com a aglomeração de diversas etnias numa área demarcada e protegida. Representou um primeiro passo no processo de humanização do indigenismo estatal. Todavia, não se opôs à voracidade com que o “desenvolvimento econômico” expandiu-se para os confins do território brasileiro, consolidado em alguns casos, com o apoio estratégico e militar dos próprios indígenas. Ao contrário, o SPI “abriu” terras para o avanço do capital sob sertões e possibilitou, em vias legais, o “melhor aproveitamento” dos recursos das terras indígenas. Os próprios índios eram considerados mão-de-obra em potencial, a serem “localizados”, como afirma o próprio nome do órgão.
Ainda hoje muitas populações tradicionais continuam sendo retiradas de suas terras para o avanço do agronegócio, das hidrelétricas, das rodovias, das unidades de conservação.
Com a extinção por falência do SPI e criação da Funai (1967) (quase que imediatamente após o Ato Institucional nº 5, de 1965), os militares recolocam o indigenismo em posição estratégica para o Estado. Há uma revalorização da questão indígena, mas o sentido de sua atuação (pró-Estado) acentua-se. Fala-se em patrimônio indígena, mas sua gestão cabe à Funai (e não aos próprios indígenas). O Estatuto do Índio, de 1973, ao mesmo tempo em que visa preservar a cultura indígena, prevê “integrá-los progressiva e harmoniosamente à comunhão nacional”, e fortalece a tutela – muito eficaz em tempos de ditadura –, que vigora até os dias atuais, ainda que flexibilizada. Em muitas áreas seguem ou se iniciam projetos de arrendamento, de exploração madeireira e mineral. Amplia-se a dependência do indígena com relação ao Estado. Tenta-se toda sorte de projetos de desenvolvimento, mas a organização comunitária é, em muitos casos, solapada. As terras indígenas tornam-se palco para os mais diversos tipos de uso “produtivo” do solo, segundo a concepção produtiva não-indígena. Pretendia-se com isso que “desenvolvimento” alcance as aldeias. É nesta época, no ápice do regime militar (década de 1970) que Fernando Schiavini chega à Funai. Ele e os de sua geração lutaram contra a ditadura para mudar o sentido da atuação da Funai.
Findo este período, surge a democracia, bastante propalada, mas em muito parecida com a polis grega (da qual apenas os cidadãos livres podiam gozar). Os governos pós-militares promulgam a constituição (1988) e nela o artigo 231, que garante importantes direitos indígenas. Entretanto, o interesse privado continua prevalecendo sobre o público e a atuação anti-indigenista da Funai continua alvo de descontentamento dos indigenistas. Uma vez mais as narrativas de Schiavini viram pano de fundo para o debate político. Por fim, após apresentar com suas histórias os principais dilemas do indigenismo brasileiro, o autor encerra seu livro anunciando o debate sobre como pode, então, a Funai atuar em benefício dos indígenas e não contra seus interesses.
O ponto de partida para este novo debate é a organização comunitária dos povos indígenas para representar seus interesses frente ao Estado capitalista e os interesses que defende, bandeira que o autor hasteou junto com os índios ainda na década de 1970. Alguns desdobramentos: anuncia-se o fim da relação entre os “meus” índios do antropólogo conhecido, que passa a ser “meu” antropólogo, dos índios tais, ou seja, cresce a clareza dos índios com relação ao papel dos técnicos da Funai, das igrejas ou das ONGs. Cresce a figura do próprio índio, em busca dos seus direitos legais. Os indigenistas (e pesquisadores em geral) tornam-se colaboradores técnicos dos povos indígenas.
De longe toda serra é azul: histórias de um indigenista

Schiavini, Fernando

Criativa Gráfica e Editora, Brasília, 2006

220 páginas
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(*) Sandoval dos Santos Amparo é geógrafo pela UFF e fotógrafo. Na Funai desde 2004. Atuou na identificação terras indígenas no Rio Grande do Sul e junto a povos indígenas em Rondônia, Mato Grosso e Bahia, através da Coordenação Geral de Artesanato da FUNAI.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13469

domingo, 22 de agosto de 2010

'Nota mais alta não é educação melhor'

Diane Ravitch, ex-secretária-adjunta de Educação dos EUA 02 de agosto de 2010
Simone Iwasso - O Estado de S.Paulo
Erro. Ênfase em responsabilização de professor é danosa para a educação, afirma Diane

Uma das principais defensoras da reforma educacional americana - baseada em metas, testes padronizados, responsabilização do professor pelo desempenho do aluno e fechamento de escolas mal avaliadas - mudou de ideia. Após 20 anos defendendo um modelo que serviu de inspiração para outros países, entre eles o Brasil, Diane Ravitch diz que, em vez de melhorar a educação, o sistema em vigor nos Estados Unidos está formando apenas alunos treinados para fazer uma avaliação.

Secretária-adjunta de Educação e conselheira do secretário de Educação na administração de George Bush, Diane foi indicada pelo ex-presidente Bill Clinton para assumir o National Assessment Governing Board, instituto responsável pelos testes federais. Ajudou a implementar os programas No Child Left Behind e Accountability, que tinham como proposta usar práticas corporativas, baseadas em medição e mérito, para melhorar a educação.

Suas revisão de conceitos foi apresentada no livro The Death and Life of the Great American School System (a morte e a vida do grande sistema escolar americano), lançado no mês passado nos EUA. O livro, sem previsão de edição no Brasil, tem provocado intensos debates entre especialistas e gestores americanos. Leia entrevista concedida por Diane ao Estado.

Por que a senhora mudou de ideia sobre a reforma educacional americana?

Eu apoiei as avaliações, o sistema de accountability (responsabilização de professores e gestores pelo desempenho dos estudantes) e o programa de escolha por muitos anos, mas as evidências acumuladas nesse período sobre os efeitos de todas essas políticas me fizeram repensar. Não podia mais continuar apoiando essas abordagens. O ensino não melhorou e identificamos apenas muitas fraudes no processo.

Em sua opinião, o que deu errado com os programas No Child Left Behind e Accountability?

O No Child Left Behind não funcionou por muitos motivos. Primeiro, porque ele estabeleceu um objetivo utópico de ter 100% dos estudantes com proficiência até 2014. Qualquer professor poderia dizer que isso não aconteceria - e não aconteceu. Segundo, os Estados acabaram diminuindo suas exigências e rebaixando seus padrões para tentar atingir esse objetivo utópico. O terceiro ponto é que escolas estão sendo fechadas porque não atingiram a meta. Então, a legislação estava errada, porque apostou numa estratégia de avaliações e responsabilização, que levou a alguns tipos de trapaças, manobras para driblar o sistema e outros tipos de esforços duvidosos para alcançar um objetivo que jamais seria atingido. Isso também levou a uma redução do currículo, associado a recompensas e punições em avaliações de habilidades básicas em leitura e matemática. No fim, essa mistura resultou numa lei ruim, porque pune escolas, diretores e professores que não atingem as pontuações mínimas.

Qual é o papel das avaliações na educação? Em que elas contribuem? Quais são as limitações?

Avaliações padronizadas dão uma fotografia instantânea do desempenho. Elas são úteis como informação, mas não devem ser usadas para recompensas e punições, porque, quando as metas são altas, educadores vão encontrar um jeito de aumentar artificialmente as pontuações. Muitos vão passar horas preparando seus alunos para responderem a esses testes, e os alunos não vão aprender os conteúdos exigidos nas disciplinas, eles vão apenas aprender a fazer essas avaliações. Testes devem ser usados com sabedoria, apenas para dar um retrato da educação, para dar uma informação. Qualquer medição fica corrompida quando se envolve outras coisas num teste.
Na sua avaliação, professores também devem ser avaliados?

Professores devem ser testados quando ingressam na carreira, para o gestor saber se ele tem as habilidades e os conhecimentos necessários para ensinar o que deverá ensinar. Eles também devem ser periodicamente avaliados por seus supervisores para garantir que estão fazendo seu trabalho.

E o que ajudaria a melhorar a qualidade dos professores?
Isso depende do tipo de professor. Escolas precisam de administradores experientes, que sejam professores também, mais qualificados. Esses profissionais devem ajudar professores com mais dificuldades.
Com base nos resultados da política educacional americana, o que realmente ajuda a melhorar a educação?

As melhores escolas têm alunos que nasceram em famílias que apoiam e estimulam a educação. Isso já ajuda muito a escola e o estudante. Toda escola precisa de um currículo muito sólido, bastante definido, em todas as disciplinas ensinadas, leitura, matemática, ciências, história, artes. Sem essa ênfase em um currículo básico e bem estruturado, todo o resto vai se resumir a desenvolver habilidades para realizar testes. Qualquer ênfase exagerada em processos de responsabilização é danosa para a educação. Isso leva apenas a um esforço grande em ensinar a responder testes, a diminuir as exigências e outras maneiras de melhorar a nota dos estudantes sem, necessariamente, melhorar a educação.

O que se pode aprender da reforma educacional americana?

A reforma americana continua na direção errada. A administração do presidente Obama continua aceitando a abordagem punitiva que começamos no governo Bush. Privatizações de escolas afetam negativamente o sistema público de ensino, com poucos avanços de maneira geral. E a responsabilização dos professores está sendo usada de maneira a destruí-los.
Quais são os conceitos que devem ser mantidos e quais devem ser revistos?

A lição mais importante que podemos tirar do que foi feito nos Estados Unidos é que o foco deve ser sempre em melhorar a educação e não simplesmente aumentar as pontuações nas provas de avaliação. Ficou claro para nós que elas não são necessariamente a mesma coisa. Precisamos de jovens que estudaram história, ciência, geografia, matemática, leitura, mas o que estamos formando é uma geração que aprendeu a responder testes de múltipla escolha. Para ter uma boa educação, precisamos saber o que é uma boa educação. E é muito mais que saber fazer uma prova. Precisamos nos preocupar com as necessidades dos estudantes, para que eles aproveitem a educação.

QUEM É

É pesquisadora de educação da Universidade de Nova York. Autora de vários livros sobre sistemas educacionais, foi secretária-adjunta de Educação e conselheira do secretário de Educação entre 1991 e 1993, durante o governo de George Bush. Foi indicada pelo ex-presidente Bill Clinton para o National Assessment Governing Board, órgão responsável pela aplicação dos testes educacionais americanos.

sábado, 14 de agosto de 2010

Chomsky e as 10 estratégias de manipulação midiática

O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:

1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES
Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossíveis para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Quem é índio e quantos são no Brasil?

Estas são as perguntas fundamentais que o novo Censo 2010 vai procurar esclarecer.
Há um debate aberto sobre o que significa ser indígena no Brasil. Alguns antropólogos acham que basta se declarar indígena para ser indígena. Daí que, um deles, parodiando o filósofo francês Gilles Deuleuze, que pronunciou a boutade, em defesa dos gays, "Todo mundo é gay, exceto quem não é", fez a sua boutadezinha: "Todo mundo no Brasil é índio, exceto quem não é". Já outros antropólogos, creio que a maioria, afirmam que ser indígena é uma condição sociocultural específica no panorama brasileiro e que tem substancialidade, tradição, ascendência e sociabilidade diferenciadas. Não basta se afirmar num arroubo narcísico que se é ou não se é alguma coisa, tem que ser reconhecido pelos demais, como em todo processo de afirmação de identidade onde se requer o diálogo com o outro.

Por conta desse debate -- e tomando o partido dos que acreditam na substancialidade do ser, no caso do ser indígena -- é que o grupo de antropólogos e demógrafos do Censo 2010 que trata da questão indígena resolveu adicionar ao questionário básico, além da pergunta que dá abertura para auto-declaração (escolhendo em cinco possibilidades: branco, preto, pardo, oriental e indígena), questões sobre a que povo pertenceria ou teria ligação e se fala alguma língua indígena. É claro que nem todos os indígenas falam uma língua indígena. Muitos povos indígenas no Nordeste e até na Amazônia falam só português, tendo relegado suas línguas maternas ao esquecimento, seja por qual processo social que lhes foi imposto. Entretanto, de algum modo, ser indígena significaria, neste novo Censo 2010, ter uma vivência que seja reconhecida de algum modo como indígena. Isto, na minha visão, constitui um avanço considerável sobre o Censo 2000 e sobre a teimosia do IBGE em se fixar na metodologia de auto-declaração.
Essa nova metodologia servirá para corrigir o grave erro do Censo 2000. É que nos últimos 20 anos, abriu-se a possibilidade de muita gente se declarar indígena, por motivos os mais variados. Por causa disso, o Censo de 2000 registrou uma população de cerca de 750.000 indígenas. Naquele ano, a Funai e a Funasa tinham números menores que 400.000. Como podia-se perceber, o número do IBGE se referia a pessoas que se auto-declaravam indígenas, sem precisar demonstrar qualquer evidência específica de ser indígena. No Rio de Janeiro, por exemplo, consta existir 30.000 e tantos indígenas; em São Paulo, cerca de 60.000, números não reconhecidos nem pela Funai nem pela Funasa ou por qualquer outra instituição pública. Ou mesmo pelos antropólogos que acham que é válida a auto-declaração exclusiva.
Por que as pessoas decidem se declarar indígenas? Uma primeira hipótese é de que, sendo-lhe dado escolher entre as opções apresentadas no questionário, e não se considerando verdadeiramente nenhuma das opções, a pessoa prefere se declarar indígena. Daí esse número inesperado em tantas cidades brasileiras. Declarar-se indígena seria uma espécie de homenagem ao passado brasileiro. Ou uma contrariedade com as poucas opções apresentadas. Com efeito, as opções de escolha de auto-declaração não satisfazem a maioria dos brasileiros. Veja o seguinte fato: em simulações já feitas pelo IBGE, se a opção "moreno" fosse apresentada, mais de 60% dos entrevistados se identificariam com ela. Moreno é uma categoria de cor/raça mais desejada do que "pardo". Sem dúvida.
Como é de conhecimento generalizado, a auto-identificação brasileira pelo conceito de raça, etnia e cor é extremamente variada, ao contrário de outros países. Estudos feitos em várias partes do Brasil mostram que há mais de uma centena de termos raciais usados pelo povo brasileiro, termos estes que conotam diferenças sutis que têm a ver não só com percepção de aparência física, mas também com percepção de pertencimento de classe ou condição de vida. Quem é sarará e quem é galego, no Nordeste, depende da roupa que estiver usando.
Por sua vez, a questão da identificação indígena no Brasil é especial e própria de nossa cultura. Se formos nos medir pelo critério biológico, como fazem os norte-americanos, pelo menos um terço de nossa população seria considerada indígena por ter sangue indígena, como descendentes dos primeiros filhos de casamentos mistos, ocorridos especialmente nos séculos XVI e XVII, no litoral brasileiro, e nos séculos seguintes na Amazônia.
Entretanto, índio no Brasil é ser social e cultural. Daí a nova metodologia do IBGE, cujos resultados aguardamos com muita atenção pois provavelmente dirimirão as pendengas que existem atualmente na atualização de políticas públicas para os povos indígenas.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Do morder a língua

Numa época e num país em que todos se esforçam por emitir seus juízos e opiniões, o senhor Palomar adquiriu o hábito de morder a língua três vezes antes de fazer qualquer afirmação. Se na terceira mordida de língua ainda está convencido do que estava para dizer, então o diz; se não, cala-se. Na verdade, passa semanas e meses inteiros em silêncio.
Boas ocasiões de calar não faltam nunca, mas pode ocorrer o caso raro de o senhor Palomar lamentar-se de não ter dito algo no momento oportuno. Lembra-se de que os fatos confirmaram aquilo que pensava, e que se então houvesse expressado seu pensamento talvez tivesse exercido alguma influência positiva, por mínima que fosse, sobre o que estava acontecendo. Nesses casos seu ânimo se divide entre a satisfação de haver pensado de maneira correta e um sentido de culpa por sua reserva excessiva. Sentimentos ambos tão fortes que é tentado a exprimi-los por palavras; mas depois de haver mordido a língua três vezes, e até mesmo seis, se convence de que não há aí nenhum motivo de orgulho ou de remorso.
Pensar de maneira correta não é um mérito: estatisticamente é quase inevitável que entre as muitas idéias estouvadas, confusas ou banais que nos vêm à mente alguma possa ser clara ou de fato genial; e assim como ocorreu a ele, pode ocorrer também a alguma outra pessoa.
Mais controverso é o juízo de não haver manifestado seu pensamento. Em tempos de silêncio generalizado, conformar-se com a mudez dos outros é certamente culpável. Nos tempos em que todos falam demais, o importante não é tanto dizer a coisa certa, que de qualquer forma se perderia na inundação das palavras, quanto dizê-las partindo de premissas e implicando conseqüências que dêem à coisa dita seu máximo valor. Mas então, se o valor de uma simples afirmação está na continuidade e coerência do discurso em que se encontra encaixada, a única escolha possível é entre se falar em continuação e não se falar mais nada. No primeiro caso o senhor Palomar revelaria que seu pensamento não procede em linha reta mas em ziguezagues, mediante oscilações, desmentidos, correções, em meio aos quais a certeza de sua afirmação se perderia. Quanto à segunda alternativa, essa implica uma arte de calar mais difícil ainda do que a arte de dizer.
Na verdade, mesmo o silêncio pode ser considerado um discurso, enquanto refutação ao uso que os outros fazem da palavra; mas o sentido desse sliêncio-discurso está na suas interrupções, ou seja, naquilo que de tanto em tanto se diz e que dá um sentido àquilo que se cala.
O melhor: um silêncio poder servir para excluir certas palavras ou mesmo mantê-las de reserva para serem usadas numa ocasião melhor. Dessa forma uma palavra dita agora pode economizar cem amanhã ou talvez obrigar-nos a dizer outras mil. “Cada vez que mordo a língua”, conclui mentalmente o senhor Palomar, “devo pensar não apenas no que estou para dizer, mas em tudo o que se digo ou não digo será dito ou não tido por mim ou pelos outros”. Formulando este pensamento, morde a língua e permanece em silêncio. (Italo Calvino)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Entrevista com Cristovam Buarque: Crítica da Razão Tupiniquim


Trabalho: alunos CEMAB.
Teoria politica:
Coordenador: Roberto Schiavini